O mundo está a desabar. Mas a festa continua. Senhores e senhoras, meninos e meninas, bem vindos ao circo!
Este bem que podia ser o mote artístico para o regresso com mais uma peça de análise social a partir dos sons e da enciclopédia mesmo ali à mão de Kubik, o projeto sonoro e artístico de Victor Afonso, com sede na cidade da Guarda. Neste novo disco, tal como em todos os registos anteriores, há um lastro enorme de imagens sacadas ao cinema. Em sentido figurativo, claro. Mas a arte da samplagem parece ir mais às feiras do cinema do que dos livros ou dos discos, ainda que estas também não fiquem de fora da visita deste novíssimo Circus Mundi Decadens. E antes que me esqueça: a capa do disco reflete copiosamente o seu conteúdo, ou pelo menos o título do disco. Há um palhaço que continua a festejar dentro de uma banheira mesmo ao lado do precipício onde dá azo à sua arte. O disco é todo ele assim. Bem, todo? Ok, há aqui elementos que são registos claramente biográficos, mais percetíveis para quem, como eu, conhece desde sempre o percurso do Victor. Esses elementos são audíveis na enorme quantidade de samplagem de músicas do mundo. Mas este disco é, de todos, o mais Chapitô, uma espécie de saga do mundo, das guerras, catástrofes, invasão brutal de imagens e frases embrulhadas de verdade da sociedade do espetáculo. Mais vale tocar flauta, pois. E dançar! Pois é! Este também é o disco mais dançável da série de trabalhos de Kubik. Uma dança tradicional, mas também por vezes lenta e industrial, surrealista. Sim, o elemento de surrealismo esteve sempre presente em Kubik. Não se esperem de Circus Mundi Decadenscanções para cantarolar nos dias quentes de inverno, os que outrora eram mais frios. Não há canções. Há ritmos, muitas vezes lentos, outras frenéticos e tresloucados e aqui e acolá pontilhados por discursos também eles samplados. Se a excitação for grande inicie-se um verdadeiro rodeo com a Rebellio. Bata-se palmas nesta valsa indiana. A ideia é que se acabe suados. Na era da explosão da IA há aqui um uso dos sons e das máquinas para se questionar em que mundo vivemos. Não sabemos. Estamos, pois, na beira do precipício e isso é tudo. Vamos dançar com as máquinas. Grotesco? Pois... às vezes chega-se aí. E o caminho prossegue.
Neste novo pedaço sonoro de Kubik por vezes as coisas também soam aconchegantes, como se entrássemos numa pequena feira de diversões, uma vez lá dentro, esquecêssemos toda a loucura do lado de fora. Ou outras vezes entra-se num pequeno bar, onde há um número de mágicos ou palhaços a animar um pouco da noite. Ou apenas um contador de histórias. E dança indiana prossegue, em Mundus Ensanguis, onde se solta um instrumento de sopro e desancar numa melodia melancólica e que também é talvez a composição de Kubik mais acessível de todos os discos. Mas muito bonita, pois que há aqui beleza. Tudo termina numa Marcha Mortuorum. Um disco brilhante, cheio de histórias, detalhes, encantos e desencantos, supresas, ritmos acelerados e desacelarados. Afinal estamos dentro do Circus Mundi Decadens.
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