1. Como chegamos hoje à música
Há já alguns anos que os “discos do ano” deixaram de ser, necessariamente, os melhores discos do ano. Isso deve-se às novas formas de descoberta musical. Antes do streaming e da internet massificada, ouvia-se o que cabia numa casa comum de referências: a rádio, alguns jornalistas, amigos próximos. Havia filtros claros.
Hoje o filtro é o algoritmo. E, embora nada tenha contra tecnologia, a verdade é que o algoritmo nunca acertou comigo. Já passei pelo Tidal, Spotify e, mais recentemente, Apple Music. Nenhum deles me levou aos discos que realmente acabei por mais apreciar. Continuo a chegar à música através de pesquisa intensa — por vezes quase desesperada — e graças a algumas amizades que resistem nesta troca de referências, como resistem ainda o Ípsilon e, sobretudo, a ultra-resiliente Wire.
Este preâmbulo importa porque, como acontece todos os anos, no início de 2026 descobrirei excelentes discos de 2025 que ficaram de fora. O que vem a seguir é simplesmente isso: uma lista de discos que me acompanharam, não necessariamente aqueles que considero objetivamente superiores.
2. A companhia sonora do ano
Entre as várias descobertas e reaproximações, é impossível não começar pela dupla sensação deste ano: Ethel Cain e Turnstile. Se com Cain me envolvi numa experiência profunda, densa e emocional, com o hardcore acessível dos Turnstile senti pura energia. Um amigo descreveu o disco como “juvenil”, talvez com algum desdém; a mim não me incomoda. É um disco bem feito, que cruza hardcore com um heavy metal easy listening, e por vezes até me trouxe ecos longínquos dos singulares Beastie Boys.
No domínio das velhas glórias revisitadas, destacaria:
– o regresso apetecível dos Pulp;
– o muito mais entusiasmante regresso dos De La Soul;
– e, claro, a continuidade dos Swans, mesmo agora que Michael Gira anunciou o fim desta fase particularmente densa do projeto.
Os Swans não regressam; persistem. E isso, na música contemporânea, continua a ser um caso sério.
3. O grande disco do ano: Ethel Cain
Sem hesitações, o disco que mais gostei este ano foi o de Ethel Cain.
É um álbum denso, profundo, revoltado, violento e sublimado. Move-se entre atmosferas de experimentalismo distorcido — paisagens retorcidas onde a guitarra abre fendas — e súbitas florescências pop de enorme brilho. É música que vem de um passado negro, pesado, marcado por crises de identidade sexual (Cain é transgénero) e pelo peso opressivo da religião, quase sempre inconsciente.
Tudo isto convive no mesmo corpo musical, que cresce, implode e renasce. É um disco extraordinário. Não tinha dado ainda a atenção devida ao trabalho anterior de Cain; este ano corri a ouvir tudo. Encontrei uma artista para seguir de perto.
4. Regressos marcantes
Além dos já mencionados Pulp, De La Soul e Swans, houve regressos que merecem lugar de destaque:
- Tortoise, que reaparecem sem sinal de desgaste — e seria esteticamente criminoso ignorá-los.
- Stereolab, que continuam a ser talvez a banda indie mais resistente de sempre, sempre ao lado das modas, nunca apanhados pela rede do sucesso fácil.
Estes registos não revolucionam nada, mas reafirmam mundos sonoros que continuam vivos e relevantes.
5. Descobertas mais experimentais
Atravessar o lado mais arriscado, vibrante e, por vezes, exaustivo da música foi outra constante deste ano.
Destaco:
- os japoneses Black Eyes, com um vocalista que ecoa tiques de Zack de la Rocha, mas sem a mesma gravidade vocal; estridentes, experimentais, vibrantes;
- o hip-hop tresloucado de Everything Is Psychedelic, tão fiel ao nome como se pode imaginar: psicadélico e doido;
- Ava Mendoza e Water Damage, discos exigentes, muitas vezes árduos, que pedem o ambiente certo — mas que recompensam quem os procura.
Este é o lado da música que menos vezes revisito, mas que me alimenta a curiosidade e a vontade de explorar.
6. Pop, indie e arredores
O ano trouxe também bons discos de:
- These New Puritans,
- Smerz,
- Perfume Genius.
Nenhum deles revolucionário, mas todos sólidos e interessantes.
Menos entusiasmantes foram os trabalhos de Youth Lagoon e Nation of Language, embora ambos contenham uma canção absolutamente irrepreensível:
– “Neighborhood Scene”, dos primeiros;
– “Inept Apollo”, dos segundos
Às vezes, um grande tema basta para justificar a presença num ano de escutas.
7. A surpresa chamada Rosalía
Creio que um dos discos mais presentes nas listas de fim de ano será Lux, de Rosalía. Nunca fui especialmente admirador do seu trabalho — apesar de reconhecer engenho às deambulações que fez com o flamenco — mas Lux é um disco muito bom.
É um trabalho que, noutras eras, viveria apenas em circuitos especializados; hoje ganha palco mais alargado. Rosalía mostra uma capacidade invulgar de reinvenção e surpresa, e a colaboração com Björk só reforça essa impressão.
Conclusão
Fecho esta lista com a consciência da inevitável injustiça: todos os anos ficam de fora discos excelentes, simplesmente porque não cheguei a tempo deles. Mas uma lista é apenas isso — uma fotografia parcial de um ano de escutas.
Outros discos que ouvi em 2025
Wednesday, The Horrors, The Murder Capital, Squid, Linda Martini, Ciagra Boys, Them Flying Monkees, Ditz, Horsegirl, Bon Iver, Black Country New Road, Scúru Fitchádu, Pulp, Wet Leg, Matt Berninger, The Young Gods, Bar Italia, Heavy Lungs, The Beths, Shame, Brian Eno, Sleep Token, Mão Morta, Mark Pritchard & Tom York, FKA Twigs, Noiserv, Chicago Underground Duo, Model/Actriz, Anna Tivel, Ela Minus, Juana Molina, Richie Culver, Cosey Fanni Tutti, Melvin Gibbs, Oklou, Eiko Ishibashi, Slow Crush, SANAM, Rival Consoles, James McVinnie, They Are Gutting a Body of Water, Quade, Vikingur Ólafsson, Hetta, The Bug & Ghost Dubs, Mizmor & Hell, Krallice, Gros Coeur, Twin Shadow, Claire Roussay, Yasmine Hamdam, Mien, Steve Gunn, John Maus, Camila Sparksss, Infinity Knives & Brian Ennals, Makaya McCraven, The Charlatans, Zion Gracia.
Bom ano novo a todos.





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