“Vem comigo dar uma prosa ao mar” diz João, o rocheiro, personagem principal do último filme de Luís Miguel Jardim, em estreia no dia 17 deste mês no Casino da Madeira. Mas o menino Diogo, pragmático e ambicioso não compreende as palavras de João e por mais que se esforce não consegue “dar a prosa ao mar”. É aí que João explica ao menino que dar uma prosa ao mar é saber ouvi-lo com o pensamento. Nas suas dissertações sonhadoras João refere que a vida é limitada como limitada é a ilha. Limitada por mar. E limitada pela pobreza e pela dureza.
No seu último longa metragem, Luís Miguel consegue dar uma prosa ao cinema ao saber fazê-lo com imaginação. Na sessão de apresentação de Cartas de Fora, no dia 10 de Setembro no Instituto do Vinho da Madeira, João Augusto Abreu, o ator principal, referiu que no cinema cabem muitas artes, desde a fotografia, a música (da qual também é o seu autor neste filme), a dança,... Talvez por isso os filmes de Luís Miguel não deixam escapar a ideia de que o cinema é emoção e entretenimento. É aqui que faz sentido a personagem da Mariquinhas, a costureira “aldrabeira” e que se enrola com os homens prometidos a outras paragens, como o caso secreto com o Rebolinho, o vendedor de tecidos, e à margem do olhar dos santos.
Mas este novo filme de Luís Miguel, Cartas de fora, tem muito mais que se diga. Ele é a história de um povo que sofreu o isolamento, a fome e a miséria moral e material. Um povo que se agarrava aos ditames da misericórdia pedida a Deus e ao sonho de ultrapassar a barreira imposta pelo mar que dificilmente deixava que todos da ilha saíssem, mas dificultava as noticias que chegavam dos, que entretanto, conseguiram perseguir o sonho de uma padaria na Venezuela que lhes trouxesse melhor sorte. Só as cartas de fora constituíam o alento das gentes pobres que cavava a terra e picava a rocha para abrir caminho ao transporte de produtos de uma agricultura muitas vezes severa para com o aperto da fome.
As Cartas de Foraé a história da Madeira. Mas a história contada em tela de cinema. Mas também é a história do seu realizador. E é porque há uma história para contar de como o Luís Miguel faz filmes. O Luís Miguel consegue fazer de professores e professoras, médicos, políticos ou expolíticos (como o caso de Alberto João Jardim), mecânicos, advogados, etc. verdadeiros atores e atrizes. Porque esta história é também a história da paixão de um homem pelo cinema. E essa paixão é manifesta em cada imagem, cada fotografia que fazem a composição desta obra de arte, deste pedaço de emoção e história plasmada na tela. É que há histórias que só se explicam pelo amor. E só o amor explica como é que Luís Miguel filma.
Por isso Cartas de Foraé um pedaço da história da Madeira, um filme inteiro, mas também a história da paixão de um homem pela camara de filmar.
Estará em exibição nos próximos dias em várias salas.
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