Como não disponho de muito tempo e não aprecio obras cujo fim é apenas o entretenimento, gosto de ir direto às obras que tenham algum outro conteúdo para além do entretenimento. Nada contra o entretenimento, mas não aprecio. Aliás, não podia apreciar arte e ao mesmo tempo colocar de parte o entretenimento uma vez que a arte acaba também por ter quase sempre esse elemento presente (isto é discutível). E não há mal algum nisso. O que estou a explicar é que não aprecio o entretenimento como um fim em si mesmo. Talvez por isso tenha gostado da Casa de Papel, a série espanhola. Entretém, tem as doses suficientes de violência para nos deixar as emoções à flor da pele depois de um dia intenso de trabalho, mas ao mesmo tempo é uma reflexão sobre o modelo capitalista atual. E os espanhóis, também influenciados pelas tradições dos franceses e pela sua própria história (até a mais recente e principalmente essa) são muito bons a fazer do entretenimento uma ferramenta de reflexão sobre o mundo social. Foi o que acabei por encontrar na série Vis a Vis. Não é uma obra prima. Não tem o primor de filmagem de um Handmaid`s Tale ou a complexidade misteriosa de um Twin Peaks, muito menos a inteligência soberba de uns Sopranos ou a hilariante e surpreendente dose filosófica de um A good Place. Mas tem a tal carga social em dose suficiente para me prender ao ecrã. A série resulta de toda uma reflexão em torno da privatização dos serviços presidiários e dos interesses que se colocam em jogo, a ponto de perpetuar a vida presidiária de quem lá entra após algum infortúnio da vida. Não precisamos obviamente de séries de TV para refletir sobre problemas desses e acho sempre empobrecida a visão de quem só reflete partindo destes objetos, lá está, que também servem para nos entreter. Com efeito, para quem gosta de se entreter e se surpreender com algumas mensagens mais nobres, é sempre uma boa oportunidade ver estas séries ou obras.
A páginas tantas, uma das protagonistas da série, enfrentando a sua condição de doente de Alzheimer, decide que quer morrer antes mesmo de se esquecer de quem é. Eventualmente na prisão e sob as condições apresentadas na série, o esquecimento de si mesmo, poderia ser uma boa fuga. Mas a reflexão da protagonista que aqui falo é interessante. Ela tem de convencer as suas colegas que alguma delas tem de a matar. Acontece que nenhuma das colegas a quer matar, pois ela é uma figura estimada no ambiente prisional. Eis quando surpreendentemente o problema é levantado: O que é uma pessoa? – pergunta a protagonista. Será que uma pessoa é apenas um corpo ou é um corpo com a consciência de si? Não estará já morta uma pessoa que não tem consciência de quem é? Estou a evitar fazerspoiler, pelo que deixarei a gozo de cada um não só a série como a reflexão sobre estas questões que, obviamente, já fez com que se publicassem milhares de páginas escritas.
A série tem 4 temporadas e é exibida na Netflix.
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