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Das dificuldades profissionais para ensinar a pensar

uma das grandes dificuldades que diagnostico nos alunos do 10º ano é no desenvolvimento de uma resposta de desenvolvimento dado que a sua capacidade argumentativa é ainda bastante rudimentar. Nada anormal para miúdos de 15 anos. A ideia é que as aulas de filosofia possibilitam esse desenvolvimento. E possibilitam? A resposta é NÃO. Quais as razões? Há alunos que trazem esta competência razoavelmente desenvolvida de casa ou até pelo seu percurso escolar mais favorável à aprendizagem (turmas boas, escolas particulares com seleção de alunos, etc), mas a maioria não. Ora quem paga a fatura mais alta são os alunos provenientes de meios familiares e contextos sociais que não favorecem o desenvolvimento desta competência de raciocínio crítico. Possivelmente não têm a oportunidade de discutir em casa, de viajar, de contactar com arte, livros, etc. E as aulas deveriam possibilitar a estes alunos o desenvolvimento desta ferramenta. Mas raramente o fazem. O que a escola faz é atirar estes alunos para cursos profissionais e CEFS e muitas vezes exclui-los para sempre dos grandes debates. Então vamos às razões. Em primeiro lugar este trabalho não é possível fazer com turmas de 25 alunos dentro de uma sala e apenas um professor. Aqui desde logo falha a avaliação personalizada e a escola inclusiva. Depois porque os períodos escolares por vezes são bastante pequenos e obedecem a regimes escolares bastante rígidos e nada flexíveis: fazer um número fixo de testes por período, com conteúdos programados com timings reduzidos, com os testes com percentagens fixas, etc. A cereja no topo do bolo é que em algumas escolas os professores de filosofia passaram a ter menos horas de lecionação semanal ou então ficaram encarregues de desenvolver projetos de cidadania que facilmente entroncam com problemas burocráticos e deixam de ser projetos para incluir alunos na comunidade para passar a ser projetos dos professores com a burocracia que lhes é inerente e que, naturalmente, não pode ser solucionada por alunos menores. Aprender a argumentar, a desenvolver um texto no qual se defenda uma teoria analisando criticamente as teorias concorrentes e avaliar as eventuais refutações não é tarefa que se coadune com cumprir programas com mais de 50 conceitos específicos em cada ano, mais de 100 nos dois anos, 10º e 11º e ter de realizar um exame no qual se pede mais o controlo desses conceitos do que o desenvolvimento de competências críticas. Esse perfil de conceber o ensino serve mais para vender livros do que a satisfação das reais necessidades dos alunos. E no secundário esta exagerada rigidez acaba por ter o efeito contrário ao desejado, é inimiga do gosto que se pode adquirir por aprender e o respeito que se pode ganhar pelo saber. É inimiga da criação de pequenas comunidades de investigação, de aprendizagem e de superação de dificuldades. E é produtora de grandes frustrações evitáveis além se perderem pelo caminho milhares de estudantes. O efeito que a rigidez curricular acumulada com tarefas de burocracia “infinita” produz são aulas inteiras com professores a “correr” para dar a matéria toda. Até porque sai em exame. Aquilo que aqui defendo não está excluído de contraditório, se tal não passar pela gabarolice de quem assume que tudo corre bem esquecendo de avaliar de maneira satisfatória todos os fatores que fazem com que muitas vezes as coisas corram bem. Certamente que o que aqui refiro não aparece apenas porque estou mal disposto ou me apetece fazer uma birra de quase meia idade. Também não é um estudo científico sério. Nem sequer é científico. É uma opinião fundamentada apenas na realidade colhida do dia a dia, e no compromisso honesto de ensinar adolescentes a pensar e também nos obstáculos que se colocam e que fazem muitas vezes, muitas mesmas, que alunos e professores desistam da sua real tarefa. 

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