CIBERDELIA
O Ciberdelia foi um programa de rádio da minha autoria, creio que o último que fiz. Na altura estava a lecionar na Guarda e também realizei um programa da Rádio Altitude, uma rádio local. Coincidiu com a época da massificação da internet, do mp3 e de novos métodos de fazer rádio. E isso fez com que durante algum tempo os meus programas saíssem para o ar ao mesmo tempo, na Guarda e em Castelo de Paiva, na Paivense FM. O Ciberdelia foi um programa inspirado no livro Ciberpunk de Herlander Elias. Li na altura o livro e foi como um murro no estômago. Foi a primeira vez que me comecei a relacionar a cultura ciber com a realidade e a fazer especulações sobre o que aí viria. Claro, já cheguei tarde. Mas em Portugal por acaso cheguei antes de muitos outros e não esquecer que na altura andava a estudar o bolorento curso de filosofia (não confundir pois a filosofia não é bolorenta, mas apenas o curso o foi). Neste programa divulgava eletrónicas que podiam ir de Fenezz até Amon Tóbin. O meu amigo Victor Afonso era nesta época uma das fontes de inspiração e foi também nesta altura que lançou o seu primeiro disco como Kubik, que parecia mesmo ser a banda sonora da estética que pretendi imprimir ao programa. Foi um programa diferente pois eu acolhi muito bem aquele conceito de regeneração estética e do corte e cola. A música que apresentava seguia essa linha e o programa também já que misturava música com excertos de textos de filosofia e ficção científica ou até textos mais genéricos de revistas. Por exemplo, recordo de numa das emissões estar a ler excertos de um longo texto de David Byrne sobre a América. O genérico do programa, que ainda guardo, está muito bem gravado. Escrevi o texto e pedi ao meu amigo jornalista (que também forneceu na altura alguma música para o programa) Antonio Jorge para o gravar. O resultado foi o do vídeo. Recordo também que o meu amigo Isidro Lisboa também chegou a fornecer alguma música ali divulgada. Good Times.
Antes do ciberdelia tive dois programas de autor, o primeiro, Imagens Alteradas, inspirado no nome de uma banda que nem sequer conhecia muito bem. Mas gostei do nome, pois dava algum sentido ao que eu quis fazer, apresentar discos com música incomum. Nele rodava discos que podiam passar por Cassandra Complex ou Sleeping Dogs Awake. Mais tarde realizei o Hipnótico, um programa mais maduro e com maior diversidade musical, além de mais arriscado já que era maioritariamente dedicado a sonoridades experimentais. No entanto foi o programa que melhor desenhou aquilo que sou como ouvinte musical, pois podia abrir com Wagner, passar para Bauhaus, Einsturzende Neubauten, Xenakis, Young Gods, John Cale e terminar com Current 93 e Bach. Pelo meio rodavam discos de coisas que nem eu hoje em dia sei o nome, de editoras muito underground e pouco conhecidas. Nesta altura correspondia-me já com editoras desde Itália, Alemanha, Inglaterra e EUA. Enviava cassetes com gravações do programa e recebia discos das editoras.
CARONTE METÁLICO
Deve ser mesmo o único rasto que ainda se encontra do Caronte Metálico ( a propósito de um apontamento encontrado num site). O programa tem uma história. Eu era o rapaz da rádio. O Jorge Costa o afoito pelo metal e o Luís Sousa o homem dos discos. Pelo meio o Paulo Amaral era o amigo. E assim nasceu em pleno auge do metal o Hierofania. Mais tarde eu fui estudar filosofia para Lisboa, o Jorge emigrou para Londres e o Hierofania ficou nas mãos do Paulo que seguiu uma linha mais comercial, que não me interessava nem a mim nem ao Jorge. Quando o Jorge (o cérebro do programa) regressou de Londres contactou-me para revitalizar o programa e propôs o nome do Sérgio Caetano, mais novo que nós. Bem, eu conhecia mal o Sérgio. Na verdade o Sérgio tinha o Look do primeiro metal man de Castelo de Paiva, cabelos longos e até um piercing. E era bastante organizado, coisa que me agradava e que o Jorge sempre deixava para mim, a questão da organização. O Paulo saiu e assim nasceu o Caronte Metálico. Eu ia quando podia, mas quando estava em Paiva era mesmo raro o fim de semana que não aparecia. O Sérgio deu de facto um balanço gigante ao programa e, como se ouvia na cidade do Porto, chegou a ser dos maiores programas de metal de todas as rádios nacionais (com um honroso 4º lugar na revista Lança Chamas, cujo diretor era um fulano como eu, o António Sérgio que gostava de rock e seus derivados, mas não era afoito do metal). Eu aparecia sempre que podia, mas era uma alegria quando aparecia. Algumas vezes cheguei a assegurar a emissão sozinho, coisa que fazia muito bem pois fiz rádio desde os meus 14 anos. Foi um período muito intenso. No Caronte dessa altura o Sérgio era o mais regular e o homem do leme. O Jorge estava sempre na retaguarda e eu aparecia ocasionalmente, assim como o Luís ou até o Paulo. Mas a história do Caronte (penso que foi o programa de rádio em Portugal do género com maior longevidade) teve o seu berço na casa do Jorge, às sextas à noite, quando eu ia até lá e ficávamos umas horas a um canto da sala a ouvir os discos de metal novos.
(Estes textos foram originalmente publicados no Facebook)
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