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Afinal o fim de tudo não é o fim de nada

Anúncios como o fim da filosofia, o fim da história ou o fim do rock e o fim de sei lá o quê são intelectualmente eróticos e talvez por isso, não sei bem, façam muito sucesso. O fim do rock vendeu muitos jornais. Houve um tempo, há uma década mais ou menos, em que era muito raro ler um jornal musical que não anunciasse o fim do rock. Na verdade o rock já ofereceu tanta coisa boa que mesmo que chegasse ao fim ainda teria longa vida até ser todo enciclopedicamente tratado. Mas se há fim que a mim nunca me pareceu fim algum é o do rock. Nunca me preocupei muito com esse fim.

Claro que o que aqui digo não tem a pretensão nem de crítica jornalística nem análise filosófica. É apenas a minha busca pessoal que por vezes é mais coerente e noutras nem tanto. Mas há anos que ouço rock e há anos que o redescubro. Se há uns dois anos andava muito feliz com as minhas descobertas de discos fabulosos como os dos Fountaines DC, Muder Capital ou Idles, este ano sou surpreendido com três bombas rock. Poderia estar aqui a escrever mais de meia centena de linhas sobre a influência de Zappa, de Zorn, Ornett Coleman ou Robert Fripp nestas três pérolas. Mas vou poupar-me a esse trabalho, ainda que até o aprecie como maneira de orientar quem anda à descoberta destas coisas. Falo dos discos dos Black Midi, Black Country New Road e Squid. São três belíssimos discos muito capazes de fazer deste ano um dos melhores dos últimos. Mas as coisas não ficam por aqui. Discos como os de Dry Cleaning, Shame ou Dinossaur Jr parecem fazer deste ano mesmo um ano do rock e do fim das manias do fim. 






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