Hans Blumenberg escreveu um ensaio extenso sobre a metáfora de Platão acerca do riso da mulher de Trácia. Reza a lenda que Tales de Mileto caiu a um poço enquanto observava as estrelas. Hoje tal seria impossível pois qualquer “observador de estrelas” estaria sentado em frente a um ecrã de computador ligado a potentes telescópios. Mas na Grécia antiga a ciência fazia-se apenas com os olhos, os sentidos e o pensamento, como muito bem o mostrou Aristóteles, aquele que inaugura esta maneira de compreender o universo que termina, até aos nossos dias, nisto que chamamos ciência. A mulher que avistou o Tales cair parece que espalhou a notícia que o filósofo não sabe onde põe os pés.
Dois
Um destes dias num dos muitos grupos de informações que há nas redes sociais, escrevi um texto a relatar uma experiência e com duas dúvidas. A primeira resposta que recebi foi que o texto era de tal modo longo que nem sequer se percebia qual era a minha dúvida. De facto, pensei, as pessoas não compreendem textos com mais de duas ou três linhas. Como a mulher Trácia não compreendia as preocupações cosmológicas de Tales e, por isso, a sua ignorância só a poderia levar ao riso.
Três
É uma experiência que começa a ser comum. Em nome da liberdade, a ignorância impõe-se como uma maneira de estar na vida. Não é estranho, portanto, que muitas pessoas um pouco mais cultas se refugiem em mundos considerados esquisitos para aqueles que se deixaram ficar por uma visão da vida mais primária e menos dada a estas coisas “intelectuais”.
Quatro
Só que “as coisas” intelectuais são mais relevantes para a vida de todos do que ir em meros futebóis e por isso, a ditadura da ignorância deve ser sempre combatida, com conhecimento, saber e, sobretudo, curiosidade intelectual. Sem ela – a curiosidade – ficamos todos um pouco mais pobres e aleijados para compreender qualquer coisa que ultrapasse duas ou três linhas e nos faça pensar.
Quinto
Para quem não tinha percebido, a mulher de Trácia só se riu da sua própria ignorância. Mesmo que nunca o tivesse percebido.
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