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Discos 2021 – um ano cheio de mesmidade sonora

Já é um lugar-comum que os anos passam a música surpreende-me menos. Mas mesmo assim não perdi o jeito de pesquisar sempre o que há de novo em busca do tal disco que traz a novidade das novidades. Bem, a verdade é que um disco para ser bom não precisa de ser a next big thing. Há muitas maneiras de perceber que um disco é bom: porque tem boas composições, porque nos dá prazer, porque nos apetece, etc... Existe toda uma variação teórica em volta da arte na filosofia da arte. Mas quando me dou conta dos discos do ano, tarefa que mantenho talvez desde os 16 ou 17 anos de idade, uso um qualquer critério. E nos últimos anos, até pela transformação da maneira como se consome música, os discos do ano são aqueles que de uma maneira ou de outra ouvi e me disseram algo de interessante. Até mais ou menos ao 10 são discos que me fizeram boa companhia e me proporcionaram largas horas de prazer. São os discos que melhor descobri ou que mais impacto tiveram nos meus tímpanos. Por isso, aí segue a listinha, que não é pequena e que certamente deixa de fora outros discos que virei a descobrir após a sua elaboração. 

 

1.  Fly Pan Am “Frontera”

Foi provavelmente o disco que mais gostei de ouvir este ano. E leva este estatuto porque nele se reúne um pouco de tudo aquilo que mais me agrada na música: é rock, agressivo, mas também experimental e a romper audições mais convencionais. Gostei muito. Um disco de eletrónica severa, minimal qb, gravado para uma peça de dança, com o nome “Frontera”



2.  Idles “Crawler”

Não esperava que os ingleses Idles (que tiveram para mim o melhor disco de 2018) regressassem mesmo na reta final do ano e, ainda por cima, com mais um disco bombástico. É explosivo e cada vez mais inteligente, pois aposta numa malha dura, punk, mas de recorte complexo, o que oferece ao ouvinte não apenas um conjunto sortido de riffs repetidos, mas antes uma complexa viagem com uma fotografia punk a aparecer como que das brumas que constitui toda a malha sonora deste disco. E Joe Talbot é um autentico Frank Sinatra do punk rock. 



 

3.  Black Midi “cavalcade”

Este regresso poderia ser desastroso. Surpreende? Já não. Mas na verdade os BM foram até um pouco mais longe do que no seu antecessor e exploraram mesmo aquilo que se poderá chamar de um jazz-rock-quase-punk. São bastante imaginativos e o disco tem um resultado que agrada quando procuramos em cada música elementos minuciosos que acabam por desviar uma eventual canção para alguma cacofonia. 



 

4.  Black Country New Road “for the first time”

É o disco de estreia deste coletivo britânico de jovens músicos que, entre eles, até anda a filha de um dos Underworld, projeto de múdica eletrónica que alcançou sucesso mediático praticamente ao primeiro disco e que sempre soube manter a toada alternativa. Os BCNR são uma mistura de rock, krautrock e jazz. Diria que estão quase na linha de uns Black Midi e digo “quase” porque não sei até que ponto será justa a comparação. Há aqui muito da herança freejazz de um Ornett Coleman. Talvez se pudermos imaginar como resulta ouvir ao mesmo tempo um disco de Coleman e um outro dos Neu!, encontramos o resultado que é a sonoridade deste disco de estreia dos BCNR. 




 

5.  Squid “Bright green field”

Este disco aparece em 5º exatamente porque foi dos discos que mais ouvi este ano. Creio que terá saído a meados do ano e andei pelo menos uns 2 meses a ouvi-lo. É bastante intenso, mas as composições são seguras. Confesso que antes deste longa duração achei os Squid apenas razoáveis, mas a audição deste Bright Green Field fez-me mudar de opinião. Conseguem em muitos momentos do disco produzirem composições rudes em termos sonoros, mas sem perder a tal pitada de complexidade que preenche as músicas e muitas das vezes, para mim, acaba por ser o que distingue um bom de um mau disco. 





6.  Dry Cleaning “strong Feelings”

Os DC são o primeiro disco da minha lista que é dos que mais ouvi e ainda ouço, mas que nem sequer é um enorme disco. Então porque aparece aqui? Porque é um trabalho que está colado à estética que talvez mais prazer me dê escutar, a malha urbano-depressiva, não a inglesa, mas a americana. Uma espécie de Sonic Youth muitíssimo mais limitados, mas ainda assim suficientemente bons. Depois porque pura e simplesmente me delicio com a conjugação de um baixo potente, que marca todo o ritmo da música, minimal, pesado e as guitarras noise com a voz da vocalista que mais parece a prima direita de Kim Gordon. Excelente disco que foi sacado algures na inspiração de uns Sonic Youth e das primeiras coisas da saudosa 4AD.



7.  Nick Cave and Warren Ellis “Carnage”

Confesso que sempre desconfiei desta reunião de Cave com Warren Ellis, até porque já gravaram discos que não me pareceram ter excelentes resultados. E depois porque como acompanho Nick Cave desde os Birthday Party, passando pela fase Wim Wenders até aos dias de hoje, habituei-me a vê-lo ao lado de gente como Blixa Bargeld. Verdade que o último disco em nome próprio carrega o fantasma da perda de um dos seus filhos e respira a negro. Creio que tal ainda acontece neste Carnage. Este não podia ser um disco apenas de Nick Cave pois sobressai em todas as canções o trabalho de Warren Ellis que fez arranjos notáveis. E, no entanto, não deixa também de ser mais um disco de Nick Cave, porque ninguém sabe colocar textos em canções como Cave. O disco é negro e bonito do princípio ao fim. E mostrou-se que Cave tem a enorme capacidade de adaptabilidade do seu talento a outros talentos, como o de Ellis.



 

8.  James Blake “friends that break your heart”

Blake é one man show. Sempre gostei dos discos dele. São daqueles que quem como não quer a coisa, entranham-se nas orelhas e na alma. Pois neste disco, com surpresa, Blake vai mais a fundo e carrega no acelerador de almas. A voz está excecionalmente destacada em todo o disco e deixa-se adivinhar uma alma perturbada que quer ver a luz. As canções são uma mistura de soul, slow hip-hop e jazz... quase gospel. Talvez Blake explique tudo muito bem em Life is not the same. Este é claramente um disco que canta o que está na alma do seu autor. E ainda bem. 




 

9.  André Barros “Vivid”

Queria incluir no meu top tem um disco de músicos português. Escolhi o de André Barros. Era para mim um desconhecido. Diria, para quem não conhece, que pode esperar daqui um renovado Rodrigo Leão. A comparação é talvez e apenas por serem os dois compositores portugueses, pois as comparações, sempre injustas para os autores mas que servem de guia para os ouvintes, poderiam ser outras: desde o ambientalismo de Max Rietcher até ao neoclassicismo de Michael Nyman. As composições são entrelaçados de instrumentos de cordas com eletrónica, música que invoca tranquilidade, para a qual muito contribui o violino de Tamila Kharambura, a ucraniana que aqui deposita o seu talento. Era para mim um músico desconhecido, mas o disco entranhou-se rapidamente nos meus dias a ponto que ainda o vou ouvindo nas minhas viagens à beira-mar, ao fim de tarde, num regresso a casa que se deseja com alguma beleza para que nada se desmorone na avalanche de coisas más que a vida por vezes acarreta. 



 

10.      Darkside “Spiral”

Ok, está bem. Não é o melhor do que já ouvi na vida. Mas nenhum dos discos desta lista é do melhor que ouvi na vida. Em boa verdade aprecio bastante o trajeto do chileno-americano Nicolas Jaar, aqui em união de facto “musical” com  Dave Harrington. O disco está cheio de pequenos detalhes de composição nas malhas eletrónicas como é habitual na obra do autor. 


 

Quadro de Honra

Backxwash “I lie here buried with my rings and my dresses”



Isto não é mesmo nada fácil e não é som para qualquer ouvido. É necessário ter treinado muito. Originário da Zambia e radicado no Canadá, o rapper Backxwash leva aqui o hip-hop a terrenos de exploração da violência e extremismo sonoro. É uma experiência sonora radical. Escuro, irado, metálico, gótico, industrial, vocalizações exasperantes... uma quase experiência mística de feiticeiros de uma africa longínqua e tribal. Eu avisei. Este é provavelmente o disco mais fora da caixa do ano.

 

 

1.     Moor Mother “black encyclopedia of the air”

2.     Lana Del Rey “blue banister”

3.     Circuit Des Yeux – “-io”

4.     Godspeed You! Black Emperor – G_d`s pee at states end!

5.     Damon Albarn “the near the fountain, more….”

6.     Parquet Courts “sympathy for life”

7.     Westside Gunn “hitler wears Hermes 8: sincerely adolf”

8.     Gustaf “audio drag for ego slobs”

9.     Shame “Drunk tank Pink”

10.  Viagra Boys “welfare Jazz

11. Dinossaur Jr “I ran” 

12. Tindersticks “distractions”

13. Lingua Ignota – sinner get ready

14. Pink Siifu “gumbo!”

15. The Bug – fire

16. Kanye West – donda

17. 10 000 Russos – station Europa

18. Desperate Journalist – maximum sorrow!

19. Feu! Chatterton “palais D`argille”

20. Lisa Gerrard & Jules Maxwell “burn”

21. The Black Keys “Delta Kream”

22. Khalab “M`berra”

23. Hushdrops “the static”

24. Bell Orchestre  “house music”

25. Kasai Allstars “black ants always fly together, one bangle makes no sound”

26. Kings of Convenience – peace or love

27. Anoushka Shankar “love letters”

28. Azmari “sama`I”

29. Ka “a martyr`s reward”

30. Arca “kick iiiii”

31. Blackwater Holylight “silence motion”

32. They Might Be Giants “book”

33. Arcana (Bill Lasswell Tony Williams) “arc of testimony”

34. Les Conches Valasquess “celebración del trance profano”

35. Injury Reserve “by the time I get to phenix”

36. Nun Gun “mondo decay”

37. Mouse on Mars “AAI”

38. Sons oF Kemet “black to the future”

39. Clinic “fantasy island”

40. Liars “the apple drop”

41. Ist Ist “the art of lying”

42. Dean Wareham “I have nothing to say to mayor of L.A.”

43. Tomahawk “Tonic Immobility”

44. Mach-Hommy “pray for Haiti”

45. Arooj Aftab “vulture prince”

46. Pamela Z “ a secret code”

47. Karkhana “Al azraqayn”

48. Beauty Pill “instante night”

49. Azita “glen echo”

50. Alex Paxton “music for bosh people”

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