Esta fórmula aparece muitas vezes na argumentação e penso que numa boa parte acaba por ser falaciosa. Não passa de um espantalho. Claro que não devemos confundir o rabo das calças com o rabo da pessoa que as veste, mas na verdade o rabo de um tem de se ajustar ao rabo de outro e por isso é perfeitamente possível falar do rabo das calças considerando o rabo de quem as veste. Por isso afirmamos coisas como “essas calças ficam-te mesmo bem” ou “essas calças não te assentam muito bem”. Ainda ontem via na TV mais casos de abusos sexuais ocultados dentro da igreja católica. A igreja católica silenciou o holocausto. As cruzadas cristãs mataram mais que todas as outras guerras juntas. Ah bem... diria o nosso interlocutor: “mas não se pode confundir a igreja com o cristianismo”. Pois eu acho que tal como o rabo das calças está para o rabo que as veste, a igreja também está para o cristianismo. Ah bem, continuará o interlocutor: “mas as ideias de cristo não são as ideias da igreja”. Pois, e as ideias do nazismo também não eram todas as ideias de Hitler. “Bem, mas na igreja há muita gente boa”. Claro que sim. Como no nazismo – ainda que pareça paradoxal – havia gente boa. Sim, temos de considerar que houve gente boa que ao mesmo era nazi. Por razões diversas, mas não a maldade, foram nazis. Há gente boa a obedecer e a combater por maus ideais. O nazismo preconizava uma maneira de ser, uma ética definida, uma expressão artística própria. E o cristianismo também. Ao mesmo tempo estou de acordo se a ideia for a de que não se deve confundir a pessoa de cristo com a igreja de cristo. E também estou de acordo que dentro da igreja há centenas de divisões, umas mais próximas que outras de cristo e umas com práticas mais nobres que outras. O que eu problematizo aqui é que o argumento de que não se deve confundir apenas visa deturpar qualquer prova dos nove às religiões e às igrejas que as preconizam. E daí que o “não se deve confundir” apenas serve para procurar baralhar e defender o indefensável. É que – e posso estar errado – parece que esse argumento vai sempre ter a mesma conclusão: desculpabilizar qualquer falhanço da religião.
1. Como chegamos hoje à música Há já alguns anos que os “discos do ano” deixaram de ser, necessariamente, os melhores discos do ano. Isso deve-se às novas formas de descoberta musical. Antes do streaming e da internet massificada, ouvia-se o que cabia numa casa comum de referências: a rádio, alguns jornalistas, amigos próximos. Havia filtros claros. Hoje o filtro é o algoritmo. E, embora nada tenha contra tecnologia, a verdade é que o algoritmo nunca acertou comigo. Já passei pelo Tidal, Spotify e, mais recentemente, Apple Music. Nenhum deles me levou aos discos que realmente acabei por mais apreciar. Continuo a chegar à música através de pesquisa intensa — por vezes quase desesperada — e graças a algumas amizades que resistem nesta troca de referências, como resistem ainda o Ípsilon e, sobretudo, a ultra-resiliente Wire. Este preâmbulo importa porque, como acontece todos os anos, no início de 2026 descobrirei excelentes discos de 2025 que ficaram de fora. O que vem a seguir é simplesm...

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