Quando comecei a ensinar filosofia dei-me conta que muitas pessoas têm uma ideia bastante errada do que é e faz a filosofia. Mas ao mesmo tempo percebi que não tinham nem tempo nem paciência para estar paradas uma hora a ouvir-me explicar tudo o que eu sabia e tinha aprendido. Assim tive de engendrar maneiras de explicar o que é a filosofia sem ao mesmo tempo fazer as pessoas perder muito tempo. Teria de ser: claro, definir em poucas palavras e apresentar sempre boas razões. Fui treinando esta técnica que passou por fases diferentes e tem evoluído ao longo dos anos. Mas talvez o momento mais feliz foi quando um casal em que ambos tinham tido uma péssima experiência com a filosofia e volvidos uns minutos ouvi isto: “Ah, mas se me tivessem explicado assim eu iria gostar”. Este é um desafio que tenho tido sempre: ser o mais claro possível e só me alongar quando estritamente necessário ou então em contextos formais mais próprios ao desenvolvimento, como são os de algumas aulas, formações, etc. Isto acontece porque uma das coisas que fiz quando comecei a trabalhar como professor foi ter recordado não os meus bons, mas os maus professores. Como vinha da universidade tinha muita matéria-prima de maus professores bem fresca. O que sempre fiz foi proceder ao contrário do que fizeram os meus piores professores. E garanto que tem dado resultados. Uma das coisas que os meus maus professores faziam com frequência e que me soava muito pouco honesto era quando me diziam, “você não percebeu a questão”. O problema era quando eu pedia para explicar. Não raras vezes a resposta passava por estes lugares: “Não é o espaço adequado para lhe responder”, “Agora não tenho tempo”, “tem de tentar compreender”, etc... ou seja, eu ficava sempre com a ideia que “este professor(a)” também não sabe, mas acha que sabe. Bem sei, bem sei que nem sempre é assim, mas, vá lá, é noventa por cento das vezes é. Ou não? O que vou percebendo nesta atitude, que hoje sei que ultrapassa o mero contexto social, é que há muitos fatores psicológicos a afetar aquilo que julgamos saber e numa parte das vezes sabemos coisas sem saber muito bem como as sabemos. Mas psicologicamente não queremos abandonar a nossa crença. Afinal de contas temos direito à nossa crença! Pois temos. Mas é sempre uma questão de valor moral saber se temos de impor aos outros aquilo que cremos ser verdade sem ter muito bem a certeza de como sabemos tais coisas. Isso volta a acontecer no espaço das redes sociais. “Isto é assim” e insiste-se que é assim, volta a repetir-se e dá-se quinhentas voltas para mostrar que é tal e qual assim. Mas depois quando somos mais diretos e pedimos uma explicação: “Ah, o Facebook não é o espaço adequado para dar essa explicação”. Bem, até a mim me custa escrever todos os meus pensamentos. Nem sequer sou grande coisa a escrever. Mas bolas, que raio de valor moral e cognitivo tem uma resposta dessas? “Oh pá, és burro por defender X porque sei que assim é, mas não te posso explicar pois é muito complexo para explicar pelo Facebook”. E isto mesmo de pessoas com uma extensa atividade dentro de pelo menos essa rede social, o Facebook. Por vezes penso que essas pessoas têm uma vida secreta de sabedoria, mas nunca possuem os canais adequados para transmitir esse saber. Mas depois dou-me conta que essas pessoas não devem nunca comunicar esse suposto saber. Então como sabem que o sabem? Bom, podem ser sempre estudantes afincados, noturnos, que o fazem quando todos os outros estão a dormir e depois pimba...!!! É como o pão fresco. Centenas de padeiros durante a noite na sua cozedura e quando de manhã chegamos à padaria parecem que estão ali frescos por ato de magia. Se calhar com o conhecimento passa-se algo semelhante. Pessoas ilustradíssimas com alta investigação noturna, enquanto uma imensa maioria de preguiçosos dormem, esses mandriões. Depois acordamos, vamos à rede social e lá estão elas a discordar de algo que afirmamos no dia anterior. E quando perguntamos as razões lá surge o tal “porque eu sei”. É isso Rolando!!! É isso... eles são todos muito estudiosos e por isso não dá para explicar.
1. Como chegamos hoje à música Há já alguns anos que os “discos do ano” deixaram de ser, necessariamente, os melhores discos do ano. Isso deve-se às novas formas de descoberta musical. Antes do streaming e da internet massificada, ouvia-se o que cabia numa casa comum de referências: a rádio, alguns jornalistas, amigos próximos. Havia filtros claros. Hoje o filtro é o algoritmo. E, embora nada tenha contra tecnologia, a verdade é que o algoritmo nunca acertou comigo. Já passei pelo Tidal, Spotify e, mais recentemente, Apple Music. Nenhum deles me levou aos discos que realmente acabei por mais apreciar. Continuo a chegar à música através de pesquisa intensa — por vezes quase desesperada — e graças a algumas amizades que resistem nesta troca de referências, como resistem ainda o Ípsilon e, sobretudo, a ultra-resiliente Wire. Este preâmbulo importa porque, como acontece todos os anos, no início de 2026 descobrirei excelentes discos de 2025 que ficaram de fora. O que vem a seguir é simplesm...

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